Análise a GODZILLA MINUS ONE

★★★★★ - Um poderoso kaiju film que destaca temas como família, coragem, dever, sacrifício, e uma ode ao espírito e resiliência do povo japonês.

Godzilla Minus One é, sem sombra de dúvida, a surpresa cinemática do ano. Comparado aos big budget flicks que hoje em dia parecem custar todos por volta dos 200 milhões, este conseguiu uma proeza visual excecional com um orçamento de apenas 15 milhões USD, entregando um derradeiro e poderoso kaiju film!

Com uma narrativa centrada nas personagens, o monstro Godzilla serve aqui como uma metáfora para os horrores da guerra, voltando em parte à premissa do original de 1954, mas oferecendo um twista história desenvolve-se entre 1945 e 1947, começando nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial, e lida com o caos civil do pós-guerra. Cidadãos tentam-se recompor por entre os escombros que se mantém visíveis ao longo do filme (a reconstrução foi lenta e árdua), e novas relações nascem a partir das cinzas de morte e destruição, abrindo portas para um caminho de redenção, no qual entra o confronto com o Godzilla, uma força da Natureza criada a partir das explosões radioativas da A-Bomb.

O elemento diferenciador deste filme não é o monstro em si, embora esse seja brutal (!), mas sim o trauma da guerra aos olhos das personagens. Godzilla Minus One arranca nos últimos dias da guerra, com Koichi Shikishima, interpretado por Ryunosuke Kamiki, um piloto kamikaze que aterra na ilha de Odo após fugir ao seu dever, fingindo que havia uma avaria no motor. Aí, a base militar é atacada pelo Godzilla, e mais uma vez, Shikishima foge ao seu dever, escondendo-se na sua avioneta e observando os patriotas a serem esmagados ou arrancados das suas fardas à dentada pelo lagarto gigante.

Carregado de culpa, o mesmo regressa a Tóquio e encontra a cidade destruída pelas forças Aliadas, descobrindo no processo que a sua família morreu durante os bombardeamentos. Por entre os escombros, Shikishima conhece Noriko (Minami Hamabe), uma rapariga que carrega uma bebé órfã, e decide acolhe-las no que resta da sua casa, aceitando um trabalho de risco na baía de Tóquio que consiste em neutralizar minas deixadas no oceano durante a guerra. Mesmo não conhecendo Noriko de lado nenhum, Shikishima sente-se na obrigação de as ajudar, nascendo aqui uma família nuclear que se torna o centro emocional da história.

Durante o trabalho, Shikishima é mais uma vez confrontado com o monstro gigante, agora ainda maior e mais poderoso após ser apanhado na linda de fogo dos testes nucleares da H-Bomb no Pacífico. Preocupados com a tensão na União Soviética, os americanos afastam-se convenientemente da luta contra o Godzilla, deixando um Japão fraco e quase sem recursos para se defender sozinho, enquanto o monstro avança em direção ao distrito de Ginza, em Tóquio.

O produto final de Godzilla Minus One é, a meu ver, a maneira mais eficaz de produzir o que chamamos de ‘monster movie’. Ao longo dos anos habituámo-nos às maravilhas da tecnologia moderna, que tapa as imperfeiçoes do argumento a favor de um glorioso espetáculo visual, e perde o seu impacto porque simplesmente não queremos saber das personagens.

Em filmes deste género, parece que as personagens não passam de NPCs que servem apenas para nos dar a exposição e explicar o que se passa, e o seu fraco desenvolvimento acaba por fazer com que nós, como audiência, pouco nos importemos com elas. Por essa altura, já só torcemos pelo monstro, pois a carnificina é a única coisa que nos entretém, e o destino delas é, pela maior parte, irrelevante.

Esse não é o caso em Minus One. Para surpresa de todos, este não é apenas um filme de ação, mas também um filme de terror e um period drama em que, desta vez, nos importamos mais com as personagens do que o monstro, e queremos que sobrevivam. Godzilla é retratado como um Deus aterrador que chacina tudo o que lhe aparece à frente, sem remorsos, e a sua existência carregada de simbologia pinta um cenário de horrores, assim como o esforço brutal para seguir em frente face a tanta tragédia, e a vontade de viver e sacrifícios necessários para nos levantarmos quando batemos no fundo.

Koichi Shikishima é uma personagem redonda com uma história trágica e comovente. Caracteriza-se como um piloto kamikaze que escolhe viver, em prol de se sacrificar por uma causa perdida, que só esse facto o torna imediatamente interessante e relacionável, mas ainda assim é julgado pelos seus pares, que o culpam injustamente pelo estado do Japão e o destino das suas famílias e amigos, por ter desonrado o seu dever. Esse trauma, somado ao impacto emocional do episódio com o Godzilla, causam-lhe pesadelos recorrentes, stress pós-traumático e uma impossibilidade psicológica de seguir em frente – para Shikishima, a guerra ainda não terminou. E não é apenas com ele que nos importamos.

Todas as personagens que conhecemos relacionam-se com o mesmo trauma, são bem desenvolvidas e procuram a sua própria redenção, o que nos permite ver um Japão unido pelo povo, mesmo com um governo ausente que lhes dá todos os motivos para não o fazerem. É uma história sobre família, coragem, dever, sacrifício, e uma ode ao espírito e resiliência do povo japonês. Se tirarmos o Godzilla de cena, o arco deste elenco é tão rico que podiam fazer um filme só com a sua jornada.

Tudo isto foi possível graças a uma equipa dedicada e liderada por Takashi Yamazaki, cuja realização é espantosa e inspiradora. Trabalha muito bem as escalas, desde os planos íntimos do bairro decrépito onde Shikishima reside, ao alcance dos planos abertos do Godzilla a destruir Tóquio, e a economia na produção é notável - como já mencionado, o orçamento deste filme foi de 15 milhões USD, o que é um valor mísero para uma película desta envergadura.

Adicionalmente, ver o antagonista gigante em ação e as maneiras criativas que os comuns mortais arranjam para o enfrentar são simplesmente incríveis! Os efeitos visuais são excelentes para os recursos disponíveis, com especial destaque para o laser atómico do Godzilla, o melhor já alguma vez produzido em cinema - o impacto visual e a combinação com o som no momento da explosão demonstra uma verdadeira mestria na arte de filmmaking em todos os departamentos. Som é outra palavra chave neste filme. O rugido do ‘Gojira’, o som mudo que paralisa a ação entre explosões, em parceira com a banda sonora de Naoki Sato, que traz de volta uma versão do emblemático tema original, são mais uma das somas que, embrulhadas com a fotografia, montagem, arte, efeitos práticos e visuais (supervisionados pelo próprio Yamazaki), tornam este todo num derradeiro e poderoso kaiju film!

O facto de Minus One ter saído no mesmo ano que o ‘Oppenheimer’ de Christopher Nolan, e o resultado ser igualmente impressionante, sugere aqui mais uma sessão dupla ao estilo de ‘Barbenheimer’, mas desta vez com uma estranha continuidade alternativa.

‘Godzilla Minus One esmaga as salas de cinema já no dia 28.’